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Maiêutica Divide com você

| Série Escola - Conquistas e Desafios |

Caroline Felipe Psicóloga Clínica Maiêutica
Marister Salmoria

Essa danada ritalina| Texto 3

 O mundo moderno é cheio de siglas. As crianças também. A sigla mais frequente, que superlota consultórios de psicologia e psiquiatria é: TDAH. Parece um novo “vírus”. O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade é um transtorno neurobiológico, associado a uma disfunção em áreas do córtex cerebral, conhecida como Lobo Pré-Frontal, de acordo com a medicina, que se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Ele é chamado às vezes de DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção).

 Geralmente é detectado quando a criança entra na escola. Agitada, não para um instante. É o “terror” das professoras. Não consegue aprender, seu interesse é abraçar o mundo com as mãos e fazer dele o que bem quer. Aí pensamos: por que antes isso não existia? Será apenas desconhecimento deste transtorno? Vamos pensar.

 Criança que é criança, desde que o mundo é mundo, brinca, briga, corre. Corre muito, agita-se, numa voracidade hoje muito diferente de alguns anos atrás. 

 Antes, o mundo era real, gigantesco, imenso. Não cabia diante dos olhos. Hoje, quando trocam o rolimã, as bolinhas de gude, as pipas, a amarelinha, a corda, pelo fascínio do mundo virtual, ele não é mais gigantesco, é reduzido a uma pequena tela. O mundo inteiro cabe dentro de um Iped, Ipod, I qualquer coisa. Hoje criança pequena tem seu tablet, ou qualquer outro apetrecho virtual. Quando não tem, os pais “emprestam”. A tecnologia ajuda muito. Mas às vezes o preço da modernidade é alto.

 De uns anos para cá o ingresso nesse mundo virtual se faz de maneira precoce, bem antes do mundo real. Basta o pequeno perceber que encostando o dedo numa tela ou numa tecla, algo diferente acontece. Pronto. Esse mundo agora é dele.

 Neste mundo virtual, em que ele é o rei, o bedel e também o juiz, não há leis. Sem leis, tudo pode. Ele manda, comanda, agride, regride, assusta, reage, e faz o seu final. Desafia e é desafiado. Desiste ou persiste sem cobranças. Na família, por sua vez,  ele é dono de seus brinquedos, comanda suas brincadeiras, e muitas vezes faz suas próprias leis. A maior parte do tempo, ou está no computador ou na TV.

 E aí chega a hora de partir para um mundo gigantesco: a escola. Esse mundo fora das telas e fora do lar é assustador. Não se trata apenas de escola regular. É aula de natação, de ballet, de inglês, de judô, disso, daquilo. É mais desafiador do que os jogos virtuais, porque não está sob seu controle. Alguns percebem de imediato que é um mundo diferente, existem regras. Existem consequências, e procuram se adaptar. Outros querem fazer desse mundo a projeção do próprio mundo virtual, o SEU mundo, onde manda e desmanda. E é aí que mora o problema.

 Eis agora um mundo novo, “off line”, que deve ser explorado, experimentado, sentido. Inquieta, exploradora, questionadora, ansiosa, procurando e extrapolando os próprios limites para enfrentar os desafios do mundo novo, a própria criança torna-se um desafio para esse mundo. Os professores não dão conta. A própria família não dá conta. É quando se descobrem as dificuldades, deficiências e transtornos.

 A criança terrível aparece então conduzida pelos pais dentro de um consultório de psiquiatria ou neurologia. Diagnóstico: TDAH. O remédio? Ritalina: para muitos, “a droga da obediência”. Existem crianças que iniciam o tratamento aos quatro, cinco anos. Quanto a isso,  há controvérsias por parte dos próprios médicos.

 Já chegaram a cogitar ser uma doença fictícia. Hiperatividade existe, mas muitas vezes aparece como um sintoma, não como a doença em si. É esta a questão.Nos inúmeros artigos que li, inclusive de médicos,  o perigo é a medicalização exagerada. A tarja preta para crianças só auxilia quem realmente tem a doença. Adriano Predeus, psiquiatra, afirma: “Só quem, de fato, tem TDAH se torna mais calmo e menos agitado ao consumir o metilfenidato.” Portanto, é fato que diagnosticar TDAH precocemente, sem uma boa avaliação, é perigoso. É diferente a hiperatividade como sintoma, traduzindo-se como uma grande inquietude, e como doença. Pode-se cometer o erro de tratar uma gripe como pneumonia.

 O diagnóstico médico e a avaliação psicológica, com os testes específicos, poderão sugerir o TDAH como transtorno, passível de medicamentos. Porém, tais avaliações poderão acusar simplesmente uma criança inquieta, arteira, cujos sintomas disruptivos podem indicar questões psicológicas envolvidas bem como a necessidade de um espaço maior para si mesma. O remédio mais eficaz para a hiperatividade enquanto sintoma, portanto,  é a “tarja branca”: correr, brincar, num espaço livre, liberar a energia condensada nas telas virtuais. E certamente um remédio chamado “limites” que só o mundo real pode dar. Mas às vezes funciona em doses homeopáticas. Lentamente. Persistentemente. Mas não tem contra indicações nem efeitos adversos.

 Como terapêutica mais ampla, é necessária uma transformação na vida e educação. Nas famílias, mais passeios, contato com a natureza, persistência nos limites. No ensino, talvez uma pitada de Waldorf, Montessori, escola experimental e outras que cuidam da educação integral. Difícil? Sim. Mas perfeitamente viável. Só assim é possível romper de vez o relacionamento sério com a danada Ritalina.

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