
Maiêutica Divide com você
| Série Escola - Conquistas e Desafios |
Flávia Moreno
Um lugar chamado “escola” | Texto 1
Nunca consegui escolher minha área de atuação preferida: educação ou psicologia, por isso me estabeleci na intersecção entre elas, a psicologia educacional, terreno em que cursei o mestrado e me encontro agora nas vias de fato do doutorado.
Na verdade, minha história com os estudos e a escola sempre foi de muito prazer e ainda me parecem próximas as admiráveis tia Hortência e tia Odete (ambas in memorian), primeiras e marcantes professoras, que tanto admirei e desejei ser. Recordo-me das lindas unhas esmaltadas de vermelho da tia Hortência, de sua letra impecável e postura nobre; e da mansidão e carinho da tia Odete que me presenteou com a alfabetização. Entretanto, acompanho diariamente narrativas opostas de desconforto e desajuste trazidas por mães e pais preocupados com a adaptação de seus filhos à escola.
Ocorre que escola é um cenário privilegiado, pois reúne crianças da mesma idade, na busca de um propósito curricular comum, o que permite aos professores identificarem o que foge à regra, o que destoa, o que é singular, e portanto, merecedor de investigação e entendimento.
As dificuldades e/ou transtornos de aprendizagem são corriqueiros na clínica psicológica e causadores de grande impasse entre os familiares. Pais e mães nos procuram envergonhados e culpados por seu filho ou filha não corresponder às expectativas escolares e assim, choram, esbravejam e se punem, numa clara demonstração de derrota.
O fato é que para alguns a escola é quase como Novalgina “eficiente mas amarga demais” e ela não precisa ser assim, na verdade, não poderia ser assim. Escola combina com barulho de vida, pessoas se movimentando, interagindo, combina com recreio, cheiro de merenda, amizades e claro com conhecimento.
Aquele que não aprende o que a escola ensina, de alguma forma, desrespeita as famigeradas grades curriculares e impõe uma outra dinâmica àqueles que estão envolvidos.
Somos capacitados biologicamente para aprender, ainda que sejam necessárias mudanças metodológicas, adaptações no percurso. A vida impulsiona para frente, e quanto mais se aprende, mais se desenvolve.
Contudo, aprender não é um ato passivo, requer do aprendente, recursos cognitivos (atenção, concentração, disciplina...) e afetivos (o desejo de aprender e de sentir-se capaz para tal). Quando esses componentes estão prejudicados a clínica psicológica pode auxiliar, acompanhando, incentivando, fortalecendo e apoiando aquele que não tem uma história de amizade com a escola e por outro lado, subsidiar o professor, outra ponta da situação.
Culpabilizar o professor é um ato simplista e um tanto quanto sucateado. O professor também é reflexo de sua história com a escola, enfrenta adversidades frequentemente e quando pede ajuda, precisa que alguém lhe estenda a mão.
Nessa seara não há culpados, mas muitas vítimas, que espontaneamente perpetuam alguns padrões que precisam ser ressignificados: as grades curriculares precisam ser rompidas, os rótulos não podem resumir pessoas, as crianças precisam de escola, mas precisam primeiro de convívio familiar, as famílias precisam de apoio e orientação e os professores precisam de suporte técnico e ético dos gestores e da convergência da comunidade.
Enquanto usarmos os dedos para apontar, não poderemos uni-los para darmos as mãos. A escola é um recorte da sociedade, tudo o que existe do lado de fora, de alguma forma reflete do lado de dentro. Dessa forma, a intolerância à diversidade e a ditadura da velocidade enviesam as práticas e as relações travadas na escola.
A valorização e o favorecimento do diálogo frequente entre gestores, professores e familiares poderia transformar sensivelmente a realidade de muitas crianças e tornar possível a formação de memórias positivas desse tempo de vida único e marcante.
É preciso que a criança ou o adolescente sinta-se pertencente à escola, que sua falta seja percebida, que suas dificuldades e seu talentos sejam investigados e acompanhados, que dentro das possibilidades haja participação familiar , que seu nome não seja apenas um número no diário de classe e que a mudança não se assente de forma unilateral, pois contextos complexos geram situações complexas.
Enfim... não se resolve toda a questão apenas com o encaminhamento ao psicólogo por exemplo, esse é só o começo, porém um importante começo.